Edição Set-Out 2024 Publicado em: 11 setembro 2024 | 19:00h

Neuroendocrinologia: quando hormônios e cérebro se encontram

Dos distúrbios hipofisários aos testes funcionais, os principais destaques da área foram discutidos no 56º CBPCML em mesa-redonda

A neuroendocrinologia ganhou destaque na tarde desta terça-feira (10), durante o 56º Congresso Brasileiro de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial, realizado na capital baiana. A mesa-redonda coordenada pela Dra. Adriana Caschera Leme reuniu especialistas para discutir uma série de tópicos complexos relacionados aos distúrbios da hipófise e hormônios neuroendócrinos. O evento contou com palestras detalhadas e uma rica discussão sobre os desafios e avanços nas avaliações e tratamentos. 

 

A médica endocrinologista Dra. Silvia Regina Correa da Silva abriu a sessão com uma palestra sobre a avaliação de incidentalomas hipofisários, tumores não-funcionantes da hipófise que são descobertos de forma acidental em exames de imagem. “Incidentalomas são qualquer lesão hipofisária que é identificada num exame de margem de crânio ou de Sela Túrcica que foi solicitado por outro motivo que não a suspeita dessa lesão. É comum que nós recebamos pacientes que fazem exames para avaliar uma cefaleia, trauma cranioencefálico, que acaba descobrindo um adenoma de hipófise”, esclareceu. 

 

“A gente classifica os incidentalomas como microincidentalomas (menos de 1cm) e macroincidentalomas (1cm ou mais). Eles podem ser identificados em 10 a 40% das ressonâncias magnéticas de crânio e assim vão ser frequentes”, afirmou a especialista Silvia Regina Correa da Silva. 

 

Segundo ela, embora a maioria desses tumores seja clinicamente insignificante, alguns podem evoluir, pressionar estruturas cerebrais ou interferir na produção hormonal. “Geralmente, são lesões pequenas e não requerem tratamento, apenas observação, já que a grande maioria dos microincidentalomas - que são os mais frequentes - não cresce ao longo do tempo”, explicou. No entanto, ela alerta para a necessidade de uma observação personalizada, de acordo com o tamanho do adenoma, parâmetros visuais hormonais, aspecto, tamanho e relação com estruturas novas. 

 

“A detecção precoce pode prevenir a evolução de um tumor secretor. Então, é importante que se avalie muito bem a parte hormonal e que se faça esse seguimento ou indique uma cirurgia antes que esse adenoma cause alguma repercussão visual ou neurológica”, recomendou. Silvia Regina Correa da Silva também destacou a importância de exames laboratoriais específicos para medir os níveis hormonais e de imagens de alta resolução para avaliar o crescimento e os efeitos da lesão. 

 

Macroprolactina e efeito gancho

Na sequência, a renomada endocrinologista Dra. Andrea Glezer falou sobre macroprolactina e o efeito gancho, fenômenos laboratoriais que podem confundir o diagnóstico de hiperprolactinemia. A macroprolactina é uma forma inativa da prolactina que pode levar a resultados falsamente elevados, enquanto o efeito gancho ocorre em pacientes com níveis extremamente altos de prolactina, causando uma leitura erroneamente baixa de PRL.

 

Focada em inovação, ela mostrou casos clínicos, falou de novos critérios de investigação, e até traçou uma linha do tempo, por meio da qual fez um panorama sobre o problema, desde o início da década de 1980.

 

Como reflexões, ela abordou o tema da automatização das pesquisas.

 

“A automatização da pesquisa da macro irá diminuir o tempo e o custo. Aí, você poderia pesquisar em todo caso. Isso já entregaria mais informação para o médico e facilitaria bastante. A maior parte dos laboratórios que não fazem todos os casos é porque há uma dobra de tempo e custo, além de ser manual. Se automatizar, talvez você possa entregar o resultado para todo mundo que tem prolactina alta”, projetou Andrea Glezer. 

 

Ela enfatizou o uso de métodos de precipitação com polietilenoglicol (PEG) para a detecção de macroprolactina e a necessidade de atenção cuidadosa ao interpretar os resultados laboratoriais. E também analisou os impactos tecnológicos. “A tecnologia vem auxiliar, agregar. O patologista vai entregar o resultado completo para o médico, que pode ter dúvida e recorrer ao profissional para interpretar. Eu acho que não compete”, concluiu. 

 

Doença de Cushing e ACTH ectópico

O Dr. José Viana Lima Junior apresentou a complexidade do diagnóstico da Doença de Cushing e da produção ectópica de ACTH, hormônio adrenocorticotrófico produzido de forma anômala por tumores fora da hipófise. Ele explicou que, em muitos casos, o diagnóstico diferencial entre um tumor hipofisário e uma fonte ectópica de ACTH pode ser desafiador. Testes funcionais de supressão, além de exames de imagem sofisticados, são essenciais para localizar a fonte do hormônio. 

 

“Na síndrome de Cushing, o diagnóstico é clínico-laboratorial. Antes de partir para exames de imagem, como ressonância ou tomografia de corpo inteiro, é de extrema importância que você documente que existe essa doença. A gente não faz imagens antes porque a grande maioria dos pacientes com doença de Cushing não tem uma imagem visível na ressonância da hipófise”, explicou José Viana Lima Junior.

 

“O laboratório é de extrema importância para o diagnóstico do hipercortisolismo e para definição da etiologia e a partir daí fazer os exames de imagem”, observou Dr. José, destacando o papel de uma equipe multidisciplinar no manejo desses casos.

 

Avanços nos testes funcionais

Por fim, o Dr. Marcelo Cidade Batista discutiu os testes funcionais utilizados na avaliação dos hormônios neuroendócrinos, essenciais para o diagnóstico de disfunções. Ele abordou as principais indicações, preparo, estímulo, dosagens e efeitos colaterais de cada teste disponível na prática laboratorial. O especialista também fez uma interpretação minuciosa de exemplos de resultados e referências.

 

Ele apresentou exemplos práticos de como a administração de hormônios exógenos ou substâncias inibidoras pode ajudar a avaliar a função de glândulas como a hipófise e as adrenais. “Os testes funcionais são ferramentas importantes para avaliar a integridade do eixo tireotrófico e suas respostas a estímulos específicos”, destacou.

 

“Os testes que continuam sendo muito solicitados são os de estímulo para deficiência de GH em crianças. Hoje, existe praticamente uma febre de pais que querem que as crianças fiquem mais altas. Então, eles passam por uma avaliação com o pediatra e solicitam esses testes para afastar e excluir que a criança tenha deficiência de GH”, explicou. “É importante salientar que a deficiência de GH não é uma causa frequente de baixa estatura. Existem em causas muito mais frequentes, como por exemplo a baixa estatura familiar, desnutrição entre outras.”  

 

De acordo com Cidade Batista, a deficiência de GH é uma condição tratável. “Se a criança for tratada com hormônio de crescimento ela vai atingir uma estatura final adequada. Esses são os testes que a gente mais realiza ainda. Os outros testes que eu apresentei são testes muito específicos de distúrbios endócrinos e eu acho que é uma coisa mais para endocrinologista mesmo”, assinalou.

 

Os métodos que utilizamos evoluíram bastante, constatou Dr. Marcelo. “Muitos valores de corte e de resposta considerados normal ou não normal foram baseados em ensaios bem antigos. Os métodos mais modernos são muito mais sensíveis e permitem você fazer um diagnóstico com maior precisão”, avaliou o endocrinologista.

 

A discussão que seguiu as palestras foi interativa, com o público e os palestrantes debatendo casos clínicos e abordagens diagnósticas para os desafios apresentados. A mesa-redonda encerrou com a constatação de que, apesar dos avanços tecnológicos e científicos, o diagnóstico preciso e o tratamento dos distúrbios neuroendócrinos requerem uma avaliação cuidadosa, individualizada e colaborativa entre especialistas de várias áreas.

 

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