Edição Set-Out 2024 Publicado em: 12 setembro 2024 | 15:30h

“Saúde é mais do que médicos, exames e remédios.”

Estilo de vida corresponde a 30% da saúde integral, enquanto fatores socioeconômicos, 40%. Destacou o médico cardiologista Luis Cláudio Correia, em Conferência Magna do 56o. CBPC/ML

“Laboratório é tecnologia. Mas a tecnologia mais importante para usar no laboratório é o pensamento humano ou o da inferência causal; o que o teste laboratorial vai causar de benefício ao paciente, visto que nada é de graça e quem paga o preço é o paciente, nem que seja com a própria pele”. Esse foi o tom da Conferência Magna “Papel do Laboratório na Sustentabilidade do Sistema de Saúde”, que aconteceu na quinta-feira, 12, dada pelo cardiologista Dr. Luis Cláudio Correia, mestre em Saúde Pública pela Johns Hopkins University, no 56o. Congresso Brasileiro de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial, em Salvador. 

 

Pesquisador da Rollins School of Public Health, da Universidade Emory (EUA), e professor da UFBA e da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Correia apresentou o pensamento micro e macro em saúde, sendo micro, o pensamento de toda profissão que pensa clinicamente, altamente complexo e difícil de tomar decisão, com a ideia de promover benefícios e reduzir danos (custo clínico). Já o pensamento macro, não se refere ao indivíduo, mas à população, com a ideia de fazer a saúde chegar para o maior número de pessoas.

 

Dr. Luis Correia questionou sobre a real necessidade da solicitação de alguns exames e traçou perfis de pacientes, demonstrando como determinados procedimentos podem influenciar em efeitos psicológicos, refletindo sobre o que o indivíduo sente ao receber determinado diagnóstico e como isso deve ser tratado com responsabilidade e, mais do que isso, se tal informação é realmente necessária, no sentido de fazer a diferença positivamente na jornada do paciente.

 

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O impacto do estilo de vida na saúde

O professor Correia demonstrou, na sua Aula Magna, como a cultura tem influência sobre os indivíduos, na medida em que os determinantes sociais de saúde não são apenas remédios e exames, mas também o estilo de vida e comportamentos - como o uso de tabaco, consumo de álcool, dietas saudáveis e atividade física -, e que esse componente corresponde a 30% da saúde integral, enquanto que fatores socioeconômicos correspondem a 40% do total. É preciso pensar no aspecto contextual, no aspecto socioecológico.

 

“A gente não admite que o piloto de avião não saiba pilotar um avião, porque admite que tem um médico bom e outro ruim? Esse é um bom médico. E os outros são o que? Isso é falta de profissionalismo. Devia ser igual a piloto de avião. Não dá pra fazer propaganda de segurança e qualidade. Esse hospital é acreditado. E o outro? Não devia ser propaganda, é obrigação. Qualidade é profissionalismo”, enfatiza Dr. Luis Correia.

 

O especialista é crítico ao elitismo no Brasil e analisa como a desigualdade afeta o sistema de saúde. Segundo ele, os países ocidentais pensam muito individualmente, inclusive quando se trata do sistema público e universal de saúde, ou seja, não há justiça distributiva. 

 

“Pensando em saúde pública, saúde da população, o pensamento precisa ser coletivo. Procedimento médico, tratamento, exame, prescrição, não tem de ser um produto de desejo. Produto de desejo é uma viagem, outra coisa assim. Mas esse nosso elitismo coloca isso e deixa pessoas destruídas. Isso é uma coisa muito séria. Remédio não tem de ser produto de desejo, nem exame laboratorial tem de ser alguma coisa de desejo. A gente tem de ter cuidado pra não tornar isso um mercantilismo, digamos assim.”

 

O cardiologista Luis Correia fez questão de enfatizar que elitismo causa doenças por mecanismos psicológicos e, tanto remédios, quanto exames, se tornaram um desejo, o que é muito ruim para o sistema de saúde, que deveria ser um serviço e não um produto de consumo.

 

Nesse sentido ele questiona: "a quem interessa o subfinanciamento crônico do sistema público de saúde? A quem interessa que o SUS não seja “muito bom” na visão de todos?"

 

Ao finalizar, Correia conclamou os profissionais da área para ajudar a moldar o pensamento coletivo da população no âmbito de saúde coletiva e novamente problematizou o título da conferência alterando-o para: “Sustentabilidade da Saúde das Pessoas e das Populações”, provocando a reflexão e enfatizando que o foco deve ser na saúde das pessoas e não na mercantilização dos serviços.