Edição Mai-Jun 2025
Como eu faço qualidade em citogenética
Como obter qualidade em Citogenética:
A Citogenética Humana é uma área especializada da medicina laboratorial dedicada à avaliação numérica e estrutural dos cromossomos humanos. Sua aplicação é decisiva para o diagnóstico de neoplasias, malformações congênitas e diversas doenças genéticas, influenciando diretamente a conduta médica e os desfechos clínicos dos pacientes.
Por ser uma área essencialmente manual, a Citogenética é altamente sensível e complexa. A qualidade dos diagnósticos depende da rigorosa padronização de processos, do controle de variáveis técnicas e da qualificação da equipe. Cada etapa requer controles robustos para garantir resultados precisos, reprodutíveis e clinicamente úteis.
Fatores críticos para a qualidade em Citogenética:
Todo laboratório que realiza exames citogenéticos deve possuir um sistema efetivo de gestão da qualidade, conforme os requisitos da Norma PALC 2025. Isso inclui:
Gestão de documentos e rastreabilidade dos processos;
Treinamento e avaliação periódica da equipe;
Gestão de equipamentos e manutenções preventivas;
Controle da qualidade da água laboratorial.
1. Coleta e avaliação das amostras (Conforme Capítulo 8 – Etapa Pré-Analítica - PALC 2025):
A qualidade da coleta tem impacto direto sobre as demais etapas. Seja sangue periférico, medula óssea, vilosidades coriônicas, líquido amniótico ou tecidos. É essencial:
Garantir o uso de frascos e tubos adequados;
Fornecer orientação clara para coleta e transporte;
Aplicar critérios de aceitação, restrição ou rejeição;
Formalizar o consentimento via Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
2. Cultura de células:
As amostras aprovadas devem seguir um procedimento operacional padronizado, com seleção criteriosa de reagentes e marcas comerciais. A sala de cultivo deve ser ambiente limpo, com mínimo fluxo de pessoas, prevenindo contaminações. Deve-se implementar sistema de contingência energética para estufas (Gestão de Risco). A duração do cultivo e a obtenção de metáfases devem ser monitoradas continuamente.
3. Bandeamento cromossômico:
A técnica de Banda G (GTG) é a mais utilizada para identificar pares cromossômicos e alterações estruturais. A aplicação precisa e reprodutível das técnicas de bandeamento permite uma resolução adequada para detecção de rearranjos cromossômicos.
A |
B |
Figura 1: Metáfase A sem bandeamento adequado vs. Metáfase B com qualidade ideal (Fonte: Infocito)
4. Análise dos cromossomos:
Profissionais treinados devem realizar análises minuciosas, com dupla conferência e descrição clara segundo a nomenclatura internacional ISCN (International System for Human Cytogenetic Nomenclature).
5. Controles de qualidade interno e externo (Capítulo 11 do PALC 2025):
É obrigatório implementar:
Controles positivos e negativos;
Avaliação regular de reagentes e equipamentos;
Participação em Programas de Ensaios de Proficiência (PEP) com amostras cegas.
6. Validação de [AC1] métodos (Requisito 9.3 PALC 2025):
Por se tratar de métodos “In House”, a citogenética requer validação prévia. Qualquer alteração de reagente ou fornecedor exige nova validação, com comprovação de sensibilidade, especificidade e confiabilidade.
7. Treinamento e qualificação da equipe (Requisitos 13.2, 13.3 e 13.6 PALC 2025):
É fundamental dispor de:
Treinamento formal desde o recebimento das amostras até a liberação dos laudos;
Planejamento de educação continuada;
Registros atualizados de competência técnica.
8. Rastreabilidade dos processos:
Todos os registros devem ser rastreáveis, desde a entrada da amostra até a emissão do laudo. Isso permite identificar desvios, promover investigação e garantir a confiabilidade dos resultados.
9. Interpretação dos laudos:
O laudo deve ser claro, objetivo e tecnicamente preciso, com interpretação clínica, recomendações para aconselhamento genético e/ou exames complementares. Em casos de dúvida, pode-se repetir o cultivo ou solicitar nova amostra. É essencial que o profissional tenha conhecimento profundo de Genética Humana.
10. Biossegurança em Citogenética:
Seguindo as boas práticas laboratoriais:
Uso de EPIs e cabines de segurança biológica tipo II;
Descarte adequado de materiais contaminados;
Prevenção de contaminação cruzada entre culturas.
11. Indicadores de qualidade específicos:
A gestão da qualidade em Citogenética deve incluir o monitoramento contínuo dos seguintes indicadores:
Taxa de sucesso de cultivo;
Percentual de metáfases adequadas;
Tempo de resposta (TAT);
Taxa de repetição de exames;
Índice de aceitabilidade em PEP.
Tais indicadores permitem avaliar o desempenho do setor, identificar tendências e subsidiar a tomada de decisões.
12. Tecnologia e inovação:
A automação e a análise digital de metáfases são tendências promissoras. A integração com sistemas LIMS e o uso de inteligência artificial para triagem inicial de alterações cromossômicas tendem a elevar a eficiência sem comprometer a qualidade.
Impacto da qualidade nos diagnósticos em Citogenética:
A qualidade laboratorial impacta diretamente a medicina assistencial:
Diagnósticos precisos: Evitam condutas inadequadas e idas sucessivas a múltiplos especialistas;
Prognósticos assertivos: Principalmente em neoplasias, define terapias e acompanhamento adequado;
Redução de erros: Minimiza repetições e otimiza recursos;
Confiança de clínicos e pacientes: Reforça a credibilidade institucional;
Melhoria Contínua: Permite implantação de ações corretivas e preventivas.
Conclusão:
Fazer qualidade na Citogenética é respeitar a técnica, o tempo da célula e o tempo da vida.
É garantir que, por trás de cada bandeamento e rearranjo cromossômico, haja um compromisso com a segurança, com o paciente e com a ciência.
Se você trabalha com Citogenética, convido a refletir: Seu laboratório está preparado para entregar não apenas um laudo, mas um caminho seguro para o diagnóstico e o cuidado?
Referências:
BOROVIK, C. L. Guia de boas práticas laboratoriais em Citogenética e Genética Molecular Humana.
GERSEN, S. L.; KEAGLE, M. B. (Ed.). The Principles of Clinical Cytogenetics, 2nd ed. Humana Press, 2004.
ROGATTO, S. R. Citogenética sem risco: Biossegurança e Garantia de Qualidade. FUNPEC, 2000.
[AC1]Sugestão:
"Validação de metodologias"
Epistemologicamente, “metodologia” refere-se ao estudo sistemático dos métodos, ou seja, ao conjunto de princípios que orientam o uso de determinados métodos.
🔸 No contexto laboratorial, o uso da palavra “metodologia” se popularizou, mas o termo mais preciso tecnicamente seria "método", que são os alvos reais dos estudos de validação/verificação.