Edição Mai-Jun 2025 Publicado em: 06 junho 2025 | 12:00h

Como eu faço qualidade em citogenética

Artigo de Keila Rivelly Pinheiro Dias e Bruna Daniele Macedo

Como obter qualidade em Citogenética:

A Citogenética Humana é uma área especializada da medicina laboratorial dedicada à avaliação numérica e estrutural dos cromossomos humanos. Sua aplicação é decisiva para o diagnóstico de neoplasias, malformações congênitas e diversas doenças genéticas, influenciando diretamente a conduta médica e os desfechos clínicos dos pacientes.

Por ser uma área essencialmente manual, a Citogenética é altamente sensível e complexa. A qualidade dos diagnósticos depende da rigorosa padronização de processos, do controle de variáveis técnicas e da qualificação da equipe. Cada etapa requer controles robustos para garantir resultados precisos, reprodutíveis e clinicamente úteis.

 
Fatores críticos para a qualidade em Citogenética:

Todo laboratório que realiza exames citogenéticos deve possuir um sistema efetivo de gestão da qualidade, conforme os requisitos da Norma PALC 2025. Isso inclui:

Gestão de documentos e rastreabilidade dos processos;
Treinamento e avaliação periódica da equipe;
Gestão de equipamentos e manutenções preventivas;
Controle da qualidade da água laboratorial.


1. Coleta e avaliação das amostras (Conforme Capítulo 8 – Etapa Pré-Analítica - PALC 2025):

A qualidade da coleta tem impacto direto sobre as demais etapas. Seja sangue periférico, medula óssea, vilosidades coriônicas, líquido amniótico ou tecidos. É essencial:

Garantir o uso de frascos e tubos adequados;
Fornecer orientação clara para coleta e transporte;
Aplicar critérios de aceitação, restrição ou rejeição;
Formalizar o consentimento via Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
 

2. Cultura de células:

As amostras aprovadas devem seguir um procedimento operacional padronizado, com seleção criteriosa de reagentes e marcas comerciais. A sala de cultivo deve ser ambiente limpo, com mínimo fluxo de pessoas, prevenindo contaminações. Deve-se implementar sistema de contingência energética para estufas (Gestão de Risco). A duração do cultivo e a obtenção de metáfases devem ser monitoradas continuamente.

3. Bandeamento cromossômico:

A técnica de Banda G (GTG) é a mais utilizada para identificar pares cromossômicos e alterações estruturais. A aplicação precisa e reprodutível das técnicas de bandeamento permite uma resolução adequada para detecção de rearranjos cromossômicos.

 

A

B

 

Figura 1: Metáfase A sem bandeamento adequado vs. Metáfase B com qualidade ideal (Fonte: Infocito)

4. Análise dos cromossomos:

Profissionais treinados devem realizar análises minuciosas, com dupla conferência e descrição clara segundo a nomenclatura internacional ISCN (International System for Human Cytogenetic Nomenclature).

5. Controles de qualidade interno e externo (Capítulo 11 do PALC 2025):

É obrigatório implementar:

Controles positivos e negativos;
Avaliação regular de reagentes e equipamentos;
Participação em Programas de Ensaios de Proficiência (PEP) com amostras cegas.
 

6. Validação de [AC1] métodos (Requisito 9.3 PALC 2025):

Por se tratar de métodos “In House”, a citogenética requer validação prévia. Qualquer alteração de reagente ou fornecedor exige nova validação, com comprovação de sensibilidade, especificidade e confiabilidade.

7. Treinamento e qualificação da equipe (Requisitos 13.2, 13.3 e 13.6 PALC 2025):

É fundamental dispor de:

Treinamento formal desde o recebimento das amostras até a liberação dos laudos;
Planejamento de educação continuada;
Registros atualizados de competência técnica.


8. Rastreabilidade dos processos:

Todos os registros devem ser rastreáveis, desde a entrada da amostra até a emissão do laudo. Isso permite identificar desvios, promover investigação e garantir a confiabilidade dos resultados.

9. Interpretação dos laudos:

O laudo deve ser claro, objetivo e tecnicamente preciso, com interpretação clínica, recomendações para aconselhamento genético e/ou exames complementares. Em casos de dúvida, pode-se repetir o cultivo ou solicitar nova amostra. É essencial que o profissional tenha conhecimento profundo de Genética Humana.

10. Biossegurança em Citogenética:

Seguindo as boas práticas laboratoriais:

Uso de EPIs e cabines de segurança biológica tipo II;
Descarte adequado de materiais contaminados;
Prevenção de contaminação cruzada entre culturas.
11. Indicadores de qualidade específicos:

A gestão da qualidade em Citogenética deve incluir o monitoramento contínuo dos seguintes indicadores:

Taxa de sucesso de cultivo;
Percentual de metáfases adequadas;
Tempo de resposta (TAT);
Taxa de repetição de exames;
Índice de aceitabilidade em PEP.
Tais indicadores permitem avaliar o desempenho do setor, identificar tendências e subsidiar a tomada de decisões.

12. Tecnologia e inovação:

A automação e a análise digital de metáfases são tendências promissoras. A integração com sistemas LIMS e o uso de inteligência artificial para triagem inicial de alterações cromossômicas tendem a elevar a eficiência sem comprometer a qualidade.

Impacto da qualidade nos diagnósticos em Citogenética:

A qualidade laboratorial impacta diretamente a medicina assistencial:

Diagnósticos precisos: Evitam condutas inadequadas e idas sucessivas a múltiplos especialistas;
Prognósticos assertivos: Principalmente em neoplasias, define terapias e acompanhamento adequado;
Redução de erros: Minimiza repetições e otimiza recursos;
Confiança de clínicos e pacientes: Reforça a credibilidade institucional;
Melhoria Contínua: Permite implantação de ações corretivas e preventivas.
Conclusão:

Fazer qualidade na Citogenética é respeitar a técnica, o tempo da célula e o tempo da vida.

É garantir que, por trás de cada bandeamento e rearranjo cromossômico, haja um compromisso com a segurança, com o paciente e com a ciência.

Se você trabalha com Citogenética, convido a refletir: Seu laboratório está preparado para entregar não apenas um laudo, mas um caminho seguro para o diagnóstico e o cuidado?

Referências:

BOROVIK, C. L. Guia de boas práticas laboratoriais em Citogenética e Genética Molecular Humana.
GERSEN, S. L.; KEAGLE, M. B. (Ed.). The Principles of Clinical Cytogenetics, 2nd ed. Humana Press, 2004.
ROGATTO, S. R. Citogenética sem risco: Biossegurança e Garantia de Qualidade. FUNPEC, 2000.
 
 [AC1]Sugestão:

"Validação de metodologias"
Epistemologicamente, “metodologia” refere-se ao estudo sistemático dos métodos, ou seja, ao conjunto de princípios que orientam o uso de determinados métodos.
🔸 No contexto laboratorial, o uso da palavra “metodologia” se popularizou, mas o termo mais preciso tecnicamente seria "método", que são os alvos reais dos estudos de validação/verificação.