Edição Set-Out 2024 Publicado em: 11 setembro 2024 | 11:30h

Especialistas discutem diagnóstico e acompanhamento laboratorial das neoplasias

Mesa-redonda no 56º Congresso Brasileiro de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial é marcada por debates sobre avanços tecnológicos e novas tendências

Ferramenta essencial na prática médica, os exames laboratoriais passaram por uma evolução importante nos últimos anos. Temáticas como os impactos da tecnologia e o suporte cada vez mais frequente da inteligência artificial nos diagnósticos marcaram a mesa redonda “Panorama Atual do Diagnóstico e Acompanhamento Laboratorial das Neoplasias Hematológicas”, no primeiro dia do 56º Congresso Brasileiro de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial, realizado em Salvador.

 

Sob a coordenação da médica Clarissa de Souza — hemoterapeuta do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia —, o encontro reuniu especialistas renomados, que abordaram as principais transformações que têm moldado essa área crucial da medicina.

 

Participaram como palestrantes os médicos Liliana Borges, Marçal Cavalcanti, Norma Lucena e Alessandro Moura. Os profissionais debateram a importância e os desafios do diagnóstico e do acompanhamento laboratorial das neoplasias, as alterações celulares que podem dar origem aos diversos tipos de câncer. O consenso entre os profissionais indicou a necessidade de uma abordagem multidisciplinar e colaborativa, com foco na humanização e priorização do paciente.

 

Caracterização imunofenotípica

 

A conversa começou com a Dra. Liliana Borges destacando o papel fundamental do diagnóstico precoce. Segundo ela, detectar uma neoplasia em seus estágios iniciais faz toda a diferença, uma vez que não só aumenta significativamente as chances de cura, como também reduz a agressividade dos tratamentos. Ela explicou que muitas neoplasias podem ser silenciosas, ou seja, não apresentam sintomas evidentes no início, o que torna os exames laboratoriais indispensáveis.

 

Ela, que atua como coordenadora da Hematologia da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, abordou o diagnóstico da Leucemia Linfocítica Crônica (LLC). “É uma doença de idoso, a média de idade — e isso varia em algumas literaturas — está em torno de 70 anos, mas a gente tem pacientes muito jovens com LLC. Por ser uma neoplasia de células maduras, ela tem um perfil de crescimento indolente e isso é importante porque, muitas vezes, quando diagnosticamos, não necessariamente precisamos tratar imediatamente esses pacientes. O tratamento imediato, muitas vezes, não muda o curso da doença, não muda a sobrevida. Existem critérios de tratamento”, alerta.

 

“Alguns pacientes podem viver até 10, 20 anos, portando a LLC, com linfocitose, com adenomegalia, e ainda assim com um perfil de crescimento muito lento, que não exige intervenção imediata. Mas, alguns pacientes têm um curso bastante agressivo e a gente tem que estar atento para o laboratório desses pacientes”, destaca Liliana Borges.

 

A leucemia linfocítica crônica e o linfoma linfocítico são exatamente a mesma doença, com apenas apresentação diferente, explica Borges. De acordo com a especialista, a leucemia tem a presença de células anormais no sangue periférico, já o linfoma linfocítico tem um predomínio de apresentação com adenomegalias e visceromegalias, e com a ausência de — ou pelo menos muito menos — células circulantes de sangue periférico. “Muitos pacientes são assintomáticos.”

 

Para o diagnóstico, existem critérios tanto pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como pela Sociedade Internacional de LLC. “Para dizermos que tem LLC, precisa ter mais de 5.000 linfócitos B clonais. Geralmente, o diagnóstico pode ser feito apenas com a imunofenotipagem no sangue periférico com um perfil de marcadores B e com expressão anômala de CD5, CD23, positividade de CD200 e CD10 negativo, com a baixa expressão de imunoglobulina de superfície. Alguns casos têm atipias nessa imunofenotipagem. Por isso, a gente vai recorrer à imuno-histoquímica, para para diferenciar de outros tipos, outras neoplasias linfoides”, detalha.

 

Revolucionando o diagnóstico

 

O hematologista Dr. Marçal Cavalcante trouxe para a discussão as atualizações sobre o diagnóstico da Leucemia Linfoblástica Aguda, câncer mais recorrente na faixa etária pediátrica. Ele iniciou ressaltando a definição da doença segundo a Organização Mundial de Saúde: é um tipo de câncer hematológico que afeta os linfoblastos, células precursoras dos linfócitos, que são um tipo de célula branca do sangue responsável pela defesa imunológica. Em síntese, é quando ocorre uma produção excessiva e anormal dessas células imaturas na medula óssea.

 

“A LLA é classificada pela OMS com base em aspectos morfológicos, imunofenotípicos e genéticos das células”, explica o médico. Sua divisão, em LLA-B e LLA-T, acontece segundo a linhagem das células: T ou B. A identificação, reforça Dr. Marçal, é importante porque influencia na estratégia adotada para tratar. Ela pode ser feita por meio de uma avaliação microscópica óptica (morfologia), complementada pelo exame de imunofenotipagem por citometria de fluxo. “A medicina laboratorial vem evoluindo e nos dá ferramentas cada vez mais sensíveis para detectar mínimas alterações celulares”, observa.

 

Dr. Marçal destacou que as novas tecnologias permitem aos médicos acompanharem as respostas dos pacientes ao tratamento de forma muito mais precisa. “Tudo começa com a morfologia, tanto do hemograma quanto do mielograma. A imunofenotipagem nos ajuda a identificar o paciente doente, mesmo que ele esteja com as taxas normais no hemograma, em decorrência de estar sendo tratado com corticoide, por exemplo. Como tudo na medicina, um método vai complementando o outro”.

 

Tecnologia como aliada

 

A forma mais comum de leucemia em adultos, a Leucemia Mieloide Aguda (LMA), foi abordada pela médica oncologista Dra. Norma Lucena, destacou os desafios diários na avaliação da LMA, trazendo informações sobre alteração das células hematológicas, análise morfológica, análise molecular e análise imunofenotípica.

 

Para a classificação das leucemias mieloides, em 1976, utilizava-se apenas morfologia e a citoquímica, depois foi incluída a imunofenotipagem, a análise genética e hoje se considera a predisposição genética. A classificação, pode-se sumarizar como aquelas que têm uma personalidade genética pré-definida, aquelas que são definidas com a diferenciação celular e aquelas que têm a associação à predisposição genética, sem desordens constitucionais.

 

A classificação se baseia nesses critérios de análise, onde há definição de células nas leucemias até o monoblasto, promielocítica, mielomonocítica, monocítica, eritrocítica e megacariocítica. A avaliação depende da expertise do avaliador. “Em alguns casos, mesmo para o próprio citologista pode ser difícil fazer a diferenciação somente com base na morfologia, por exemplo, de uma leucemia mieloide diferenciada para uma linfoblástica.”

 

Em relação à citologia, a especialista pontua que os citologistas consideram vários critérios morfológicos para fazer a identificação correta da linhagem alterada. Lembrando que, com a alteração genética, o processo de diferenciação fica comprometido. “Há uma parada da diferenciação celular, há um acúmulo de células precursoras e o citologista vai ser o primeiro a ver e identificar em que estágio de maturação encontra-se aquele clone leucêmico”, explica.

 

Dra. Norma mostrou uma captura da foto do esfregaço utilizando o algoritmo e rotinas de aprendizagem de máquinas para diferenciar os tipos celulares. “Na realidade, essa proposta não é para substituir o médico citopatologista. É para auxiliar e dar uma maior rapidez no diagnóstico”, opina.

 

Nessa linha, a pesquisadora citou os impactos de projetos como o Genomas Brasil na saúde pública. “Além de estudar a ancestralidade, que é extremamente importante, porque todas as medicações produzidas no mundo são baseadas em informações de genomas de europeus, americanos e nós somos uma população miscigenada”, observou. Para ela, esse programa Genomas vai trazer muito benefício, pensando não só nos genes que estão associados à leucemia, mas aqueles genes que são metabolizadores de drogas que vão estar influindo no tratamento do paciente. “Ele vai ajudar no desenvolvimento de testes mais rápidos, mais sensíveis, para o diagnóstico precoce, assim como no prognóstico. E isso vai combinar com a melhor condução clínica e melhor seguimento do paciente”, concluiu.

 

Medicina Laboratorial e Transplante de Medula Óssea

 

“A Importância do Laboratório Clínico no Transplante de Medula Óssea” foi tema da intervenção do hemoterapeuta Dr. Alessandro Moura. Já na abertura, ele explicou que se trata de uma técnica para substituir a medula e citou os tipos disponíveis: o autólogo, quando as células-tronco são coletadas do próprio paciente, e o alogênico, quando é feito a partir de células- tronco obtidas de um doador.

 

“No autólogo, são coletadas as células-tronco, elas ficam reservadas, o paciente vai receber uma quimioterapia para destruir toda a medula, a gente devolve essas células e espera que elas funcionem”, detalha. “Sem as práticas laboratoriais e o patologista clínico o transplante de medula não existiria. Durante toda a jornada do paciente, os exames de apoio são fundamentais para que a gente consiga dar o diagnóstico”, afirma Moura.

 

Ele ressaltou a importância dos avanços tecnológicos na área, para acelerar os diagnósticos. O transplante de medula é multidisciplinar, por essência. A prática laboratorial está imbricada nesse processo. Por isso eu digo que é impossível ter um transplante sem um bom laboratório”, disse, enquanto agradecia todo o empenho de sua equipe.

 

Ao final da mesa, ele destacou os avanços científicos na detecção e monitoramento das neoplasias e como isso impacta vidas. Segundo ele, o conhecimento, aliado a tecnologias modernas e ao trabalho colaborativo entre diferentes áreas da medicina, é a chave para enfrentar os desafios que envolvem a doença com mais eficácia.

 

#neoplasias #diagnóstico #medicinalaboratorial #patologiaclínica#cbpcml