RDC 978/2025 da Anvisa em debate: dúvidas e impactos no setor laboratorial
A recém-publicada RDC nº 978/2025 da Anvisa trouxe ao 57º Congresso da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (CBPCML) um tema de grande interesse para o setor laboratorial. O moderador da mesa redonda, Wilson Shcolnik, diretor de Relações Institucionais da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), abriu o encontro destacando que a resolução foi publicada em junho de 2025, com prazo de 90 dias para vigência, e já está em plena aplicação em setembro.
“Trouxemos um tema de interesse de todos, porque trata diretamente da nossa atividade laboratorial. Hoje vamos discutir dúvidas e impactos desta norma que já vigora em todo o país, desde o dia 10”, afirmou Shcolnik, médico patologista clínico.
André Rezende, gerente da Gerência-Geral de Tecnologia em Serviços de Saúde (GGTES/Anvisa), apresentou os principais destaques da nova resolução. Ele lembrou que a RDC nº 302, de 2005, foi fundamental, mas não acompanhou as transformações do setor: “A RDC 302 foi essencial, mas não acompanhou as mudanças. Não se trata de erro da Anvisa, mas de adaptação ao dinamismo do setor”.
Rezende explicou a classificação dos serviços: os ST1 (consultórios isolados e farmácias) não podem enviar nem receber amostras; os ST2 (consultórios e postos de coleta) podem encaminhar material biológico para os ST3 (laboratórios clínicos e de anatomia patológica), mas não recebem de outros serviços. 
“Se uma farmácia estiver enviando material biológico, está em infração sanitária”, alertou o gerente da Anvisa.
Outros pontos de destaque foram a criação da Central de Distribuição (CD), exclusiva para logística pré-analítica; a caracterização do EAC itinerante, que deve ser temporário e vinculado a um ST3 com responsável técnico definido; e a diferenciação entre consultórios e postos de coleta. Rezende também reforçou que não há definição normativa para denominação dos testes rápidos e Point of Care Testing (POCT), por isso não foram incluídos na norma.
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Sobre a garantia da qualidade para estes testes, André Rezende lembrou que o Controle Interno da Qualidade (CIQ) deve ser aplicado a cada troca de lote, a cada remessa e de acordo com o fabricante. 
“Não caiam na ideia de que o certificado lote a lote substitui todo o CIQ. Ele se aplica apenas à troca de lote. Remessa e instruções do fabricante continuam valendo”, destacou.
Perguntas e respostas
A presidente da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC), Maria Elizabeth Menezes, levantou dúvidas sobre a coleta de material biológico em consultórios ST2. “O artigo 23 diz que é permitida a coleta de materiais para a fase pré-analítica do ST3. Isso não permitiria também a coleta de sangue e outros materiais além do que já foi citado?”, questionou.
Menezes respondeu que a norma é clara ao restringir a coleta de sangue venoso e arterial apenas aos postos de coleta.
“O artigo 23 estabelece um caput que autoriza a coleta, mas logo nos parágrafos seguintes limita essa autorização. Essa redação segue a técnica legislativa, que define a hierarquia entre caput e parágrafos. Então, consultórios não podem coletar sangue venoso e arterial”, explicou.
A presidente do Conselho Federal de Farmácia, Lenira da Silva Costa, expressou preocupação com a normalização de práticas antes consideradas irregulares. “Essa abertura é preocupante, porque não temos um sistema nacional de vigilância à altura. A fiscalização não é simples e a proliferação de postos de coleta sem vínculo com laboratórios clínicos é um risco”, alertou.
Andre Rezende reconheceu os desafios, mas defendeu que a norma organiza uma prática já existente. “Os consultórios já realizavam coletas de forma desregulamentada. A norma traz exigências de qualidade também para eles. E o consultório não se confunde com posto de coleta, isso foi discutido com clareza”, afirmou. Ele acrescentou que o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) é robusto, com 44 mil profissionais, embora tenha dificuldades de implementação. “Estamos produzindo manuais, roteiros e materiais de apoio para orientar os fiscais. É um setor de extrema complexidade, mas é nosso compromisso organizar”, reforçou.
A gerente-geral da Anvisa, Márcia Gonçalves de Oliveira, complementou destacando o esforço da agência em harmonizar inspeções em todo o país. “Estamos gravando capacitações, elaborando roteiros e materiais de perguntas e respostas para apoiar o processo de fiscalização. A norma é resiliente e aberta ao diálogo”, disse.
Representando o Conselho Federal de Biomedicina, Marco Antonio Zonta questionou a clareza sobre o papel do supervisor técnico e sobre a ausência de menção à autocoleta. André Rezende, da gerente da Anvisa, esclareceu que o responsável técnico (RT) responde formalmente à vigilância sanitária, mas não precisa estar presente, enquanto o supervisor acompanha presencialmente o dia a dia das atividades. Quanto à autocoleta, afirmou: “Se o próprio indivíduo coleta urina em casa e leva ao laboratório, isso não é serviço de saúde. A responsabilidade do serviço começa quando a amostra entra no laboratório”, afirmou.
Já o vice-presidente da SBPC/ML, Guilherme Ferreira de Oliveira, trouxe questionamentos sobre práticas de microscopia em postos de coleta, a definição do tempo máximo de itinerância dos serviços móveis e caracterização de laboratórios clínicos. André Rezende reconheceu que algumas questões permanecem em discussão.
“Não estabelecemos tempo fixo para o itinerante, apenas características estruturais que o definem. O tempo é difícil de justificar tecnicamente, mas o tema pode evoluir”, disse. Sobre os laboratórios, afirmou que não há como definir um rol mínimo de exames ou criar subclasses. “Temos laboratórios com mil analitos e outros com apenas um. Ambos são laboratórios. Aceitamos sugestões, estamos abertos a discutir”, concluiu.
O debate mostrou a densidade e a complexidade da RDC nº 978/2025, bem como a necessidade de contínuo diálogo entre a Anvisa, profissionais de saúde e entidades representativas. Como resumiu André Rezende: “Essa é uma norma densa, construída coletivamente, que busca oferecer clareza, segurança e qualidade para os serviços e para os pacientes”.

