Brasil terá primeiro laboratório NB4 da América Latina e integrará o acelerador de partículas Sirius
O Brasil está prestes a dar um salto histórico na área de biossegurança e pesquisa científica com a construção do Órion, primeiro laboratório de nível máximo de biossegurança (NB4) do país e da América Latina. Localizado no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP), o projeto será também o único no mundo a integrar um NB4 a um acelerador de partículas - o Sirius, considerado a infraestrutura científica mais complexa já erguida no Brasil.
O projeto foi detalhado nesta quarta-feira (17), durante a mesa sobre doenças emergentes do 57º Congresso Brasileiro de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (CBPCML), pela biomédica e virologista Tatiana Ometto, pesquisadora do CNPEM. O maior evento da América Latina do setor acontece de 16 a 19 de setembro, no Riocentro, no Rio de Janeiro.
“O Órion representa um salto de biossegurança, pesquisa e inovação. Será o primeiro NB4 do Brasil e da América Latina, e também o primeiro do mundo a ter conexão com um acelerador de partículas. Isso permitirá gerar imagens inéditas de agentes altamente patogênicos, em nível celular, tecidual e até em pequenos animais”, explica Ometto.
Os laboratórios NB4 são estruturas raras, restritas a países que concentram pesquisas estratégicas em saúde e biotecnologia. Eles permitem o estudo de microrganismos letais, como os vírus Ebola, Nipah ou H5N1, exigindo protocolos de segurança extremamente rigorosos. Diferenciam-se por medidas como o uso de macacões pressurizados semelhantes a escafandros, banhos químicos de desinfetante na saída, sistemas redundantes de filtragem do ar e tratamento de efluentes. “Essas camadas de proteção não visam apenas garantir a segurança do pesquisador, mas também proteger a sociedade e o meio ambiente”, destacou Ometto.
Enquanto o Brasil já conta com cerca de 60 laboratórios NB3, voltados para agentes de alto risco, nunca teve um NB4. A pandemia de Covid-19 reacendeu a urgência do tema e impulsionou a criação de um grupo interministerial para definir a localização da nova estrutura. O CNPEM foi escolhido não apenas por sua experiência na gestão de grandes empreendimentos científicos, como o Sirius, mas também pela infraestrutura disponível. “O Órion está sendo construído dentro do CNPEM, mas ele não é do CNPEM, ele é do Brasil. A proposta é criar um centro nacional de referência em ciência, biossegurança e formação de profissionais especializados”, ressaltou a pesquisadora.
Com mais de 20 mil metros quadrados, o complexo abrigará não apenas o laboratório NB4, mas também instalações NB2 e NB3, áreas de microscopia avançada e espaços de treinamento voltados para a capacitação de equipes em práticas de biossegurança de alto nível. Um dos diferenciais será a conexão direta com o Sirius: três linhas de luz do acelerador entrarão no laboratório para permitir bioimagem em diferentes escalas - de organelas e células, tecidos e pequenos animais - algo inédito na ciência mundial.
O projeto contou com consultorias internacionais e visitas técnicas a laboratórios de biossegurança máxima nos Estados Unidos, Canadá e Europa. A partir dessas experiências, a equipe brasileira definiu que não seguirá um modelo único, mas construirá o que chamam de “padrão CNPEM”, reunindo as melhores práticas globais adaptadas às demandas locais. “No início, havia desconfiança da comunidade internacional sobre a capacidade do Brasil de erguer um NB4 conectado a um acelerador. Mas, após três anos de parcerias e planejamento, esse cenário mudou. Hoje, esses centros reconhecem o projeto e nos procuram para colaborar”, contou Ometto.
O Órion deve colocar o Brasil em posição estratégica para responder a doenças emergentes e futuras pandemias, além de abrir novas fronteiras na ciência. “Vamos unir a inovação do Sirius com a inovação de um NB4. Isso significa que poderemos fazer pesquisas e gerar imagens nunca antes produzidas no mundo”, concluiu a pesquisadora.