O papel do toxicologista nos laboratórios clínicos
Com quatro décadas dedicadas à toxicologia, o médico pediatra e toxicologista Sérgio Graff apresentou no 57º Congresso Brasileiro de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (CBPCML), esta terça (16), no Rio de Janeiro, uma reflexão sobre o espaço do especialista dentro dos laboratórios clínicos. Apesar do número reduzido de profissionais no Brasil - cerca de 30 médicos titulados -, ele defende que a presença do toxicologista é indispensável para a qualidade da medicina diagnóstica.
“O laboratório de toxicologia não é completo sem o olhar do toxicologista. Não dá para ser”, afirmou. Para Graff, a função desse especialista vai além da análise laboratorial, pois envolve a interpretação clínica dos resultados, a redução de erros de conduta e o fortalecimento da credibilidade das instituições.
Ele lembrou casos em que a falta de interpretação especializada comprometeu a tomada de decisão. “Outro dia, pedi um exame de CK (creatinofosfoquinase) para um paciente que tinha usado cocaína, e o resultado assustou o laboratório. Para mim, era absolutamente esperado. É nesse ponto que o toxicologista se torna essencial: ele faz a ponte entre o dado laboratorial e a prática clínica”, explicou.
Graff também destacou a necessidade de compreender que os laudos laboratoriais possuem valor legal. “Qualquer documento que você assinar tem sim valor legal. Se um laboratório libera um laudo que aponta presença de drogas em uma criança, por exemplo, não pode alegar que não tem validade jurídica. A responsabilidade existe”, reforçou.
Entre os exemplos apresentados, ele citou exames de colinesterase realizados sem valores basais, o que inviabiliza a correta avaliação da exposição ocupacional a pesticidas. Também comentou situações de exposição a metais pesados, como mercúrio e chumbo, nas quais a interpretação clínica deve prevalecer sobre os números isolados. “Na toxicologia, é fundamental olhar para a história clínica e a exposição do paciente, não apenas para o resultado do exame”, disse.
Para o especialista, investir na presença de toxicologistas nos laboratórios é um diferencial. “Alguns vão dizer que é um custo excessivo. Mas não é custo, é investimento em segurança, qualidade e credibilidade. É como um selo de qualidade: quem tem, se diferencia”, concluiu.
Dr Alvaro Pulchinelli Jr, presidente da SBPC/ML, é patologista clínico e toxicologista.
Curiosidade
A toxicologia laboratorial tem uma longa história, tanto no Brasil quanto no mundo, marcada por avanços significativos no diagnóstico e na prevenção de envenenamentos e exposições a substâncias tóxicas. No mundo, a toxicologia começou a se consolidar como uma disciplina científica no século XIX, com o desenvolvimento de métodos químicos e bioquímicos para identificar venenos, como os primeiros testes para detectar arsênico e outros compostos tóxicos. Na Europa e nos Estados Unidos, o avanço da toxicologia foi impulsionado pela Revolução Industrial, com o aumento da exposição ocupacional a substâncias perigosas, e mais tarde pela preocupação com o abuso de substâncias e envenenamentos em larga escala. No Brasil, a toxicologia laboratorial começou a se expandir nas décadas de 1960 e 1970, com o crescimento da indústria química e a necessidade de diagnósticos mais rápidos e precisos para casos de intoxicação. Laboratórios especializados surgiram para lidar com emergências tóxicas, e a introdução de novos métodos analíticos, como a cromatografia e a espectrometria de massas, permitiu a detecção mais eficaz de substâncias no organismo. A partir dos anos 2000, com o aumento de casos de intoxicação por drogas ilícitas e produtos químicos industriais, a toxicologia laboratorial no Brasil e no mundo se tornou ainda mais relevante, com um papel essencial no diagnóstico médico, segurança pública e controle de saúde ambiental. Hoje, a toxicologia continua a evoluir com o avanço de tecnologias de alta precisão, como testes moleculares e plataformas de big data, para monitorar e entender os efeitos das toxinas no organismo humano.