Edição Set-Out 2024 Publicado em: 17 outubro 2024 | 15:32h

Overdiagnosis: Especialistas defendem uso racional de exames

Mesa-redonda do 56º CBPC/ML avalia conceitos e reflete sobre os riscos de diagnósticos excessivos, que causam desde prejuízos financeiros até a prescrição de tratamentos desnecessários

A mesa-redonda “Overdiagnosis Como Risco à Saúde: Impactos na Segurança do Paciente”, ocorrida no no âmbito do 56º Congresso Brasileiro de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial, realizado em Salvador, e coordenada pela médica patologista clínica, Dra. Annelise Wengerkievicz, diretora de marketing e comunicação da SBPC/ML, destacou um tema crucial e muitas vezes negligenciado na prática clínica: o risco de diagnósticos excessivos e suas consequências para a segurança do paciente. A sessão apresentou uma abordagem multidisciplinar. Especialistas renomados discutiram como o excesso de diagnósticos pode impactar áreas como a oncologia, cardiologia e radiologia, trazendo reflexões profundas.


Além de dirigir os trabalhos da mesa, Dra. Annelise também ministrou uma aula na qual abordou conceitos e reflexões sobre o que ela chamou de “overdetecção”. A especialista abriu o evento oferecendo uma definição ampla do conceito de overdiagnosis. E ressaltou que o termo se refere à detecção de condições que, apesar de estarem presentes, não trariam sintomas ou risco de morte ao paciente. “Estamos falando de diagnósticos que geram ansiedade, tratamentos desnecessários e complicações que poderiam ser evitadas,” observou Annelise.

 


“Precisamos de dados objetivos que ajudem o médico a tomar decisões, porque hoje os rastreios estão bem estabelecidos, eles são todos baseados em evidências. Os dados de literatura apontam que há benefício em fazer diagnóstico precoce para as condições que são recomendadas. É por isso que a gente frisa a necessidade de seguir as recomendações científicas. Não devemos fazer exames sem embasamento sólido”, alertou a patologista clínica.

 


Ela também destacou que o avanço tecnológico, embora tenha trazido ganhos inquestionáveis, muitas vezes amplifica o problema. "Com o aumento da sensibilidade dos exames de imagem e biomarcadores, estamos encontrando cada vez mais lesões e alterações que, em um contexto mais tradicional, nunca seriam diagnosticadas, e esse excesso de informação pode prejudicar o paciente", comentou. Wengerkievicz chamou atenção para a necessidade de uma abordagem mais ponderada e criteriosa na interpretação de resultados, trazendo a questão do uso racional. 

 


“Temos tido gastos excessivos em saúde por conta da solicitação exagerada de exames. A gente vem de uma época em que, basicamente, o diagnóstico se baseava em história clínica, exame físico e o médico formulava a hipótese diagnóstica. Muitas vezes, perdia diagnósticos”, relembrou. Segundo ela, a infinidade de testes que estão hoje disponíveis exige um conhecimento médico aprofundado sobre sua aplicabilidade. “Existem exames que se sobrepõem, há aqueles que trazem falsos positivos. Se solicitados em excesso, além de prejuízo econômico, eles podem resultar em consequências para o paciente”, ponderou. 


Overdiagnosis na oncohematologia


O Dr. Paulo Campregher, responsável pelos testes de genômica do câncer, oncologia e hematologia de precisão do laboratório clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, apresentou o impacto da overdiagnosis na oncohematologia. “Eu enxergo a overdiagnosis como parte da evolução do conhecimento médico. Aprendemos historicamente a fazer os diagnósticos de pacientes muito sintomáticos, com a condição já estabelecida. O passo seguinte foi tentarmos reconhecer essa doença em estágios cada vez mais iniciais”, afirmou.

 


Ele explicou que, com o advento de tecnologias como o sequenciamento de nova geração (NGS), o diagnóstico precoce de doenças hematológicas e cânceres tornou-se mais frequente, mas nem sempre benéfico. “Uma vez que eu encontro a doença no estado muito inicial, pode ser que em alguns casos grande parte da população tenha esse quadro e eu não sei o que fazer com essa situação ainda. Então, vale a pena a identificar nesse estágio? Provavelmente, não. A partir de que ponto vale a pena identificar? Essa resposta virá da eficácia em impedir a progressão dessa doença”, refletiu.

 


Dr. Campregher enfatizou que, em alguns casos, pacientes diagnosticados com condições hematológicas iniciais ou assintomáticas acabam sendo submetidos a tratamentos agressivos que podem reduzir sua qualidade de vida sem necessariamente prolongá-la. “A precisão diagnóstica deve sempre ser acompanhada de uma avaliação clínica cuidadosa para evitar intervenções desnecessárias.”

 

Estados de pré-doença


O cardiologista Luis Claudio Correa, mestre em Saúde Pública pela Johns Hopkins University, discutiu os perigos da overdiagnosis em estados de pré-doença. “Será que estamos transformando condições fisiológicas normais em diagnósticos médicos?,” questionou.


Ele trouxe aspectos filosóficos e conceituais, desenhou diversos cenários possíveis e explicou que, em muitas situações, o conceito de pré-doença amplia indevidamente o número de pessoas consideradas doentes, resultando em um excesso de tratamentos preventivos.


“Quando a gente diagnostica numa fase onde já existe sintoma, o potencial benefício desse diagnóstico é no presente, é no aqui e agora. E é uma probabilidade alta, se a gente tem algo a fazer para aliviar o estado do paciente, porque aí o diagnóstico é uma chave para a solução. Na situação pré-clínica, você está investindo no futuro e isso é de benefício mais incerto, porque a gente não sabe o contexto futuro de uma pessoa”, analisou. Para ele, o equilíbrio entre vigilância e intervenção é a resposta para evitar danos.


Visão da radiologia

 

Dr. Marcos Roberto Gomes de Queiroz (UF), diretor de Medicina Diagnóstica do Hospital Israelita Albert Einstein, trouxe a perspectiva da radiologia. Ele falou do conceito de “overuse” - utilização desnecessária de exames - e destacou que exames de imagem, como tomografias e ressonâncias magnéticas, têm se tornado rotineiros em avaliações, mas nem sempre são necessários.


Entre as principais causas para esse uso excessivo, segundo o Dr. Marcos, estão os mecanismos de pagamento e incentivos financeiros; a expectativa dos pacientes; uma medicina defensiva; a autorreferenciação; e os exames de imagem duplicados.

 


“Como resolver? Com diretrizes baseadas em evidências, por meio da implementação de critérios rigorosos para a solicitação de exames de imagem; a educação continuada, com treinamentos de médicos sobre limitações e riscos desses exames. Toda dose de radiação é cumulativa”, alertou.

 


Além de gerar uma cascata de investigações adicionais, biópsias e até cirurgias que podem ser evitadas, ele mencionou o impacto psicológico nos pacientes, que ficam ansiosos ao receberem diagnósticos. Ele recomendou a tomada de decisão compartilhada, pesquisa focada, auditoria e feedbacks, e o uso de ferramentas que determinam a necessidade dos exames.


Ao final da mesa, o público teve a oportunidade de debater com os painelistas e tirar dúvidas sobre como os profissionais da saúde podem encontrar um equilíbrio entre o diagnóstico precoce e a segurança do paciente. Um ponto-chave foi a importância da educação médica continuada, para garantir que os profissionais estejam preparados para interpretar resultados de exames com cautela e evitar intervenções desnecessárias.

 

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