Publicado em: 18 setembro 2025 | 10:00h

Microplásticos e nanoplásticos ameaçam a saúde em escala global

Especialistas alertam no 57ºCBPCML para os riscos crescentes dessas partículas e os desafios para sua detecção em laboratório

No terceiro dia do 57º Congresso Brasileiro de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (CBPCML), realizado nesta quinta-feira, 18, os micro e nanoplásticos estiveram no centro de duas apresentações que revelaram a dimensão desse problema como um dos maiores desafios ambientais e de saúde pública da atualidade.

A médica patologista clínica Evangelina Araújo, chefe da seção de microbiologia do HCFMUSP, apresentou um panorama preocupante sobre os impactos dessas partículas na saúde humana e planetária. “A questão dos microplásticos é ainda pouco conhecida como efeito de saúde, mas já se sabe que tem grandes efeitos”, afirmou. Ela lembrou que cerca de 50% do plástico produzido é de uso único e descartado em menos de 15 minutos; 3 milhões de toneladas vão parar nos oceanos todos os anos - “o equivalente a um caminhão por minuto”; menos de 9% é reciclado; e mais de 1 milhão de animais marinhos morrem anualmente por conta desse material. Estima-se ainda que uma pessoa ingira, ao longo da vida, cerca de 18 quilos de plástico e que, até 2050, haverá mais plásticos do que peixes nos oceanos.

Segundo Evangelina, “os plásticos são um perigo grave, crescente e pouco reconhecido para a saúde humana e planetária”. Mais de 98% da produção é derivada de combustíveis fósseis e representa 5% das emissões globais de CO₂. Já foram identificados micro e nanoplásticos em órgãos como sangue, placenta, pulmão, fígado, rim, coração e cérebro. “Essas partículas atravessam barreiras como a placentária e a hematoencefálica, estando associadas a processos inflamatórios, desordens metabólicas, alterações endócrinas, reprodutivas, cardiovasculares e até ao câncer”, destacou.


A médica alertou também para a maior exposição de crianças, especialmente por meio de mamadeiras, brinquedos e ambientes domésticos, onde roupas sintéticas, tintas e até fios elétricos liberam partículas. “Do ponto de vista respiratório, onde a gente tem a maior exposição ao plástico é dentro das nossas casas”, afirmou. Evangelina lembrou que os microplásticos funcionam como vetores de patógenos e resistência bacteriana e já são associados a maior risco de infarto, AVC e mortalidade. No Brasil, o cenário é ainda mais grave: o país despeja 1,3 milhão de toneladas de plástico por ano nos oceanos, sendo o oitavo maior poluidor do mundo.

Para ela, a saída exige responsabilidade da indústria, políticas públicas eficazes e mudanças de hábitos. “Nós desenvolvemos um estilo de vida descartável, e isso precisa mudar. O esforço deve ser global, mas também passa pelas escolhas individuais, como reduzir embalagens, levar sacolas reutilizáveis ao supermercado e repensar o consumo”.

Já o médico patologista clínico peruano Luis Figueroa, em sua palestra “Microplásticos e nanoplásticos: uma emergência sanitária global. Métodos de detecção e quantificação laboratorial”, destacou os desafios técnicos para a identificação dessas partículas. “O objetivo é entender os desafios para processar, quantificar ou detectar micro e nanoplásticos e, no futuro, chegar a ter um exame laboratorial, como a glicose ou o TSH, que permita solicitar essa dosagem”, explicou.

Ele lembrou que estudos já comprovam a bioacumulação no corpo humano, inclusive no cérebro.

“Este estudo foi revelador porque demonstrou que, ao longo dos anos, as concentrações de plástico no cérebro humano estão aumentando”, afirmou, ressaltando associações com doenças cardiovasculares, renais e metabólicas. Achados em pacientes com obstrução da artéria carótida, por exemplo, detectaram partículas inorgânicas em macrófagos, e “a maior concentração de polietileno foi encontrada em cérebros de pacientes com demência, o que sugere uma possível associação”.


Figueiroa destacou ainda que os micro e nanoplásticos são “onipresentes", presentes nas água potável, em alimentos marinhos, frutas, vegetais, sal e até no chá preparado em saquinhos de nylon. Ele explicou que os principais métodos de detecção usados atualmente são termoanalíticos (destrutivos) e espectroscópicos (Fourier e Raman), muitas vezes combinados com cromatografia e espectrometria de massa. No entanto, ainda há limitações instrumentais, complexidade de operação e falta de padronização, apesar dos avanços da ISO 24187.

Com isso, a perspectiva de um exame clínico confiável ainda levará tempo. “Talvez em dez anos possamos ter um teste laboratorial que permita medir micro e nanoplásticos”, estimou. Ele encerrou alertando para o chamado efeito combinado: “um batom, um esmalte ou um creme isoladamente podem não ser danosos. Mas quando somamos tudo, talvez já seja tóxico”.