Publicado em: 17 setembro 2025 | 20:00h

Alvaro Pulchinelli, patologista clínico e toxicologista, alerta para a rápida evolução das substâncias sintéticas, seus riscos clínicos e os impactos já visíveis no Brasil. Já foi identificado no país, em 2025, um novo opióide sintético, o Nitazeno,

O patologista clínico e toxicologista Alvaro Pulchinelli, presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), destacou em sua apresentação, no 57º Congresso da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (CBPCML), os riscos das novas drogas psicoativas (NPS) e a complexidade que representam para a toxicologia laboratorial e para a saúde pública.

“Essa é uma indústria extremamente lucrativa e complexa, com uma criatividade quase inesgotável”, afirmou. O CBPC/ML acontece de 16 a 19 de setembro, no Riocentro, no Rio de Janeiro.


Segundo dados apresentados, apenas em 2024 foram apreendidas 41,5 toneladas de novas substâncias na União Europeia, com 47 drogas detectadas pela primeira vez. Entre elas, os mitazenos chamam a atenção pela potência e pela dificuldade de controle. Esse movimento, inicialmente concentrado em países desenvolvidos, já se reflete no Brasil, onde têm sido registradas apreensões de canabinoides sintéticos (K2, SPICE), catinonas (“sais de banho”), cocaína rosa, opioides sintéticos (como o fentanil) e os chamados “designer benzodiazepínicos”.

Pulchinelli chamou atenção para alguns pontos críticos que tornam o enfrentamento desse cenário ainda mais desafiador:

- Zona cinzenta legal: muitas substâncias circulam sem proibição explícita, aproveitando brechas jurídicas que favorecem sua comercialização.

- Variabilidade de composição: os traficantes modificam fórmulas e concentrações conforme o perfil do usuário, aumentando o risco de overdose e morte súbita, inclusive entre iniciantes.

- Dificuldade diagnóstica: os efeitos clínicos nem sempre correspondem ao padrão conhecido das drogas tradicionais. “Se não conhecemos o efeito, não levantamos suspeita, e isso dificulta a atuação dos serviços de emergência”, alertou Pulchinelli.

Como exemplos, ele destacou que os canabinoides sintéticos podem causar lesão renal aguda, psicose e até morte; as catinonas podem levar a hipertermia, paranoia e arritmia fatal; e opióides extremamente potentes, como o carfentanil, multiplicam o risco de overdose. O toxicologista também ressaltou o fenômeno do uso combinado de drogas, prática em que estimulantes são utilizados para prolongar a vigília e benzodiazepínicos para induzir o sono. “É uma combinação altamente perigosa”, avaliou.

A crise dos opioides e os sinais no Brasil

O panorama da crise dos opioides nos Estados Unidos, marcada por overdoses envolvendo heroína, fentanil e derivados, continua em agravamento. No Brasil, embora o impacto ainda seja menor, o consumo segue em crescimento.

A codeína é o opióide mais identificado nas análises laboratoriais, já que sua prescrição é mais simples - exige apenas receita branca carbonada. No entanto, opióides mais potentes, como a oxicodona, também estão em uso crescente no país.

Pulchinelli lembrou que, no Brasil, a prescrição de opióides aumentou antes mesmo do pico das overdoses por fentanil nos EUA. Esse processo expôs a população aos efeitos das substâncias e abriu caminho para usos ilícitos. Nos Estados Unidos, três “ondas” marcaram a epidemia: a primeira com opióides prescritos, seguida pela heroína e, mais recentemente, pelos sintéticos. 

Entre os principais fatores de risco para overdose por opioides, o especialista destacou o uso prévio da substância (3,5 vezes mais chance de overdose); ohistórico de transtornos de saúde mental, como depressão, esquizofrenia e ansiedade; os jovens com menos de 40 anos (maior vulnerabilidade); sexo masculino; a influência familiar, quando há uso prescrito em casa - muitas vezes por dentistas -, o que facilita o acesso para filhos e outros parentes.

O especialista lembra ainda que no Brasil, já foi identificado em 2025 um novo opióide sintético, o Nitazeno, que havia sido registrado anteriormente na União Europeia. Pulchinelli destacou ainda alguns obstáculos que precisam ser enfrentados: a rápida diversificação das drogas, que pode deixar a legislação defasada; a produção clandestina acessível, realizada em pequenos laboratórios caseiros; a facilidade de acesso pela internet, que amplia a disseminação cultural do consumo entre jovens; os novos efeitos psicoativos, que expõe usuários a riscos inéditos; as limitações diagnósticas, já que testes rápidos identificam dezenas de moléculas, mas não acompanham toda a diversidade. “Nesse sentido, a espectrometria de massa desponta como solução para maior precisão e agilidade, sobretudo com o desenvolvimento de bibliotecas expandidas de compostos", explica.

Ao concluir, o presidente da SBPC/ML reforçou a necessidade de vigilância e atualização constante da toxicologia laboratorial. “O cenário está se tornando cada vez mais complexo e precisamos estar preparados para identificar e manejar essas intoxicações”, finalizou.

SBPC/ML lança primeira Norma de Toxicologia no Brasil

A primeira Norma de Toxicologia do Programa de Acreditação de Laboratórios Clínicos (PALC) foi lançada esta terça-feira (16), durante o 57º CBPC/ML, no Rio de Janeiro. O novo regulamento representa um marco para os laboratórios brasileiros, ao estabelecer critérios técnicos e científicos mais adaptados à realidade nacional e alinhados aos padrões internacionais de qualidade.

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“Os laboratórios que atuam em toxicologia já precisam ser acreditados por uma entidade reconhecida para exercer suas funções, especialmente nos exames obrigatórios para concursos públicos e renovação da carteira de motorista. Porém, até agora, as opções disponíveis eram onerosas ou pouco ajustadas ao contexto brasileiro. Com a Norma de Toxicologia do PALC, conseguimos oferecer uma alternativa robusta, científica e ao mesmo tempo mais adequada à nossa realidade”, explica Alvaro Pulchinelli, toxicologista, patologista clinico e presidente da SBPC/ML.

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Hoje, o Brasil conta com duas referências de acreditação na área: o Colégio Americano de Patologistas, de excelência reconhecida, mas de maior custo para os laboratórios nacionais, e a norma ISO 17025, gerida pelo Inmetro, voltada sobretudo para a análise toxicológica em aspectos técnicos. A proposta da SBPC/ML é mais abrangente, incorporando exigências do Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito), da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), além de diretrizes internacionais.